Animais que sentem o Magnetismo

18-12-2020

Muitos animais conseguem orientar-se com a ajuda do campo magnético terrestre... Mas, na verdade, o que é que lhes possibilita terem este sexto sentido?

Escrito por: Simone Baseggio                                                                                                  Tempo de leitura: 4min 

Introdução

Conhecem-se inúmeros animais que têm incríveis sentidos de orientação. Sejam eles aves, mamíferos, ou variados animais aquáticos, esta capacidade tem sido alvo de interesse há dezenas de anos. Será que existe algum órgão capaz de detetar o campo magnético da Terra e facilitar as longas deslocações de animais que o possuem? Existirá algum tipo de recetor capaz de captar sinais desta natureza? A resposta aparenta ser não1, de acordo com algumas fontes, e simultaneamente sim[2],[3],[4], de acordo com outras! A verdade é que se trata de um tópico altamente debatido e até considerado o maior desafio atual da biologia sensorial. Exploremos alguns estudos recentes e algumas abordagens interessantes! É de notar que elas não são mutuamente exclusivas e que não aparenta haver consenso quanto a um "derradeiro" mecanismo, uma vez que todas as hipóteses apresentadas são fundamentadas empiricamente.

MTB - bactérias magnetotáticas[1]

Uma hipótese é a de que os animais que percepcionam o magnetismo estabelecem uma relação simbiótica com as bactérias MTB. A mobilidade destes procariontes é fortemente influenciada por um campo magnético. Este mecanismo é possibilitado por organelos denominados de magnetossomas, que consistem em cristais de minerais envolvidos por uma bicamada fosfolipídica. Contudo, não se conhecem os processos pelos quais as bactérias podem fornecer esta informação ao hospedeiro, de modo a chegar ao seu sistema nervoso e motivar determinado comportamento. Existem algumas evidências que apontam para a plausibilidade deste mecanismo, mas também existem grandes críticas. Uma delas, por exemplo, foi baseada em experiências comportamentais de aves, que mostraram que a sua orientação é dependente da presença de luz - esta observação suporta a terceira hipótese mencionada nesta publicação!

Magnetoreceção por cristais de magnetite de origem biológica

Com base nalguns estudos, nomeadamente em peixes[2], quítons, abelhas, pombos e golfinhos3, mostrou-se que algumas células de tecidos de órgãos sensoriais de alguns animais apresentavam aglomerados de cristais ricos em ferro, chamados magnetite[7]. Quando sujeitas a um campo magnético rotatório, em ensaios laboratoriais, rodavam em conformidade com este. Isto provocava o movimento da célula, bem como o de células adjacentes. Parece que estes cristais estão fortemente fixados a membranas celulares, e atuam como velas, na medida em que reagem ao campo magnético terrestre e "apontam" em dada direção. As evidências da presença destes cristais são fortes, contudo verificam-se grandes lacunas na compreensão de como pode ser processada a informação que deriva do movimento destes aglomerados de magnetite, pelo sistema nervoso dos animais migratórios!

Pares de radicais que constituem "compassos biológicos"

Tal como para as hipóteses anteriores, existem evidências que suportam este modelo e outras que o contradizem. Não há, de facto, consenso. Este mecanismo foi proposto com base em experiências realizadas em aves migratórias[5], [6], e defende que na retina das aves existem proteínas denominadas de criptocromos que, ao serem excitadas pela luz, originam outros intermediários químicos. Neste processo, está envolvida a formação de iões superóxido, daí o seu nome. Cada ião possui um eletrão desemparelhado, mas existem condições específicas para os estados de spin desses eletrões, para que o campo magnético possa então atuar sobre eles e modular a sua orientação. A parte fascinante é que, no final, os indícios apontam para a possibilidade de as aves migratórias verem manchas, mais claras ou mais escuras, no seu campo de visão. A perceção do campo magnético que este modelo propõe seria assim. Contudo, para entender o mecanismo mais detalhadamente, de elevadíssima complexidade, recomendamos a consulta do seguinte website: https://www.ks.uiuc.edu/Research/cryptochrome/.

Exemplos

Apresentamos, de seguida, exemplos de como a capacidade de orientação (magnética, conjugada com outras) influencia a locomoção dos animais para destinos concretos, não aleatórios, com determinado objetivo a cumprir:

- Migrações de aves;

- Migrações de morcegos;

- Regresso de animais aquáticos aos locais onde eles próprios nasceram, para dar luz à descendência. Existe um estudo de caso interessantíssimo que retrata este exemplo, realizado em larvas de peixes de corais, num arquipélago a leste da Austrália, que refere que aproximadamente 60% das larvas que sobrevivem a fase larvar retornam aos corais onde nasceram. As correntes são fortíssimas e, neste estádio de desenvolvimento, as capacidades natatórias são reduzidas, levando a uma grande dispersão dos organismos. Contudo, conjugando 3 métodos de orientação diferentes, tentam alcançar os corais de origem:

1) durante o dia, orientam-se com o Sol;

2) durante a noite, por orientação magnética;

3) por fim, quando estão mais perto do destino, reconhecem o local por quimiotaxia! Recomendo vivamente a leitura do seguinte artigo: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0960982216312799.

Importância

Apesar de os seres humanos serem incapazes de tirar partido de uma análise integrada do geomagnetismo terrestre, para própria orientação espacial ou territorial, as aplicações podem ser incontáveis, quer nos ramos do Ambiente e da Ecologia, como no planeamento de construções como linhas elétricas ou infraestruturas que disrompem e interferem com estas capacidades e, consequentemente, com fluxos migratórios e inteiras populações de animais que dependem deste sentido.

Referências

Geral: University of Central Florida. (2020). Animals magnetic "sixth" sense may come from bacteria, new paper suggests. Disponível em: https://phys.org/news/2020-09-animals-magnetic-sixth-bacteria-paper.html. Acedido a: 18/12/2020.

1- Natan, E., et. al. (2020). Symbiotic magnetic sensing: raising evidence and beyond. The Royal Society Publishing: 375(1808). Disponível em: https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rstb.2019.0595. Acedido a: 18/12/2020.

2- Wolchover, N. (2012). Likely Source of Animals' Magnetic Sense Identified. LiveScience. Disponível em: https://www.livescience.com/21473-source-animal-magnetic-sense.html. Acedido a: 18/12/2020.

3- Kirschvink, J. L., Gould, J. L. (1981). Biogenic magnetite as a basis for magnetic field detection in animals. Biosystems: 13(3); pp. 181.201. Disponível em: https://doi.org/10.1016/0303-2647(81)90060-5.  cedido a: 18/12/2020.

4- Johnsen, S., Lohmann, K. (2008). Magnetoreception in Animals. Physics Today: 61(3); pp. 29. Disponível em: https://physicstoday.scitation.org/doi/10.1063/1.2897947. Acedido a: 18/12/2020.

5- Kirschvink, J. L., Walker, M. M., Diebel, C. E. (2001). Magnetite-based magnetoreception. Current Opinion in Neurobiology: 11(4); pp. 462-467. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S095943880000235X?via%3Dihub. Acedido a: 18/12/2020.

6- Hore, P. J., Mouritsen, H. (2016). The Radical-Pair Mechanism of Magnetoreception. Annual Review of Biophysics: 45; pp. 299-344. Disponível em: https://www.annualreviews.org/doi/pdf/10.1146/annurev-biophys-032116-094545. Acedido a: 18/12/2020.

7- Hiscock, H. G., et. al. (2017). Disruption of Magnetic Compass Orientation in Migratory Birds by Radiofrequency Electromagnetic Fields. Biophysical Journal: 113(7); pp. 1475-1484. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0006349517308597. Acedido a: 18/12/2020.

8- Solov'yov, I., Schulten, K. (2014). Cryptochrome and Magnetic Sensing. University of Illinois. Disponível em:https://www.ks.uiuc.edu/Research/cryptochrome/. Acedido a: 18/12/2020.

9- Bottesch, M., et. al. (2016). A magnetic compass that might help coral reef fish larvae return to their natal reef. Current Biology: 23(24); pp. 1266-1267. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0960982216312799. Acedido a: 18/12/2020. 

Textos originais de Mafalda Martins, Marta Matos e Simone Baseggio 
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